domingo, agosto 26, 2012

(IV) O Iluminismo em Portugal

A tentativa de reforma do ensino da filosofia fez-se em nome das correntes modernas e do experimentalismo sob o governo de Pombal. [Na imagem, Teodoro de Almeida (1722-1804).]

Os primeiros reformadores

No início do século XVIII começa a fazer sentir-se em Portugal a influência de filósofos como René Descartes e John Locke, antes ignorados ou mesmo proibidos. Curiosamente, a atenção crescente dispensada a estes nomes da «filosofia moderna» começou por ser veiculada por autores laicos e exteriores ao ambiente universitário português. O militar Manuel de Azevedo Fortes (1660-1748), com a sua Lógica racional geométrica e analítica (1734), propôs uma síntese entre o inatismo de Descartes e o sensismo de Locke, adoptando uma atitude eclética e centrada na questão do método. A sua filosofia vale mais pela introdução de autores «modernos» do que pela sua qualidade intrínseca. Também Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743) foi divulgador, entre outros, de Locke, tendo viajado pela Europa e participado no «movimento das academias» que marcou a primeira metade do século XVIII em Portugal, nomeadamente como sócio fundador da Academia Portuguesa da História (1720), patrocinada pelo rei D. João V. Nos seus Apontamentos para a educação de um menino nobre é marcante a influência do pensamento pedagógico de Locke, que pretendia aplicar a uma reforma do ensino que criasse no País um nível intermédio (secundário) de estudos.

A influência dos «estrangeirados»

Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), médico formado em Coimbra que abandonou Portugal em 1721 (era cristão-novo), traduziu o Novo Organon de Francis Bacon com o expresso propósito de propagandear entre nós a filosofia experimentalista do autor inglês. Paralelamente, assumiu-se como divulgador da obra de Isaac Newton (Teórica verdadeira das marés conforme à filosofia de Isaac Newton, 1737). Sarmento, embora não questionasse o campo próprio da metafísica (o das «causas primeiras»), foi um crítico contundente tanto de Aristóteles como de Descartes, aos quais preferia o método experimentalista e matematizado dos dois autores ingleses. Com Sarmento acentuou-se na cultura portuguesa a influência de intelectuais radicados no estrangeiro, os quais foram por isso apelidados de «estrangeirados». Mas o facto de a tradução de Bacon haver sido encomendada por D. João V mostra até que ponto estas novas tendências já não podiam ser consideradas marginais e anómalas no período anterior ao auge do governo pombalino (a partir de 1755).

António Ribeiro Sanches (1699-1783) foi outro «estrangeirado» adepto do experimentalismo, a que aliava uma atitude favorável à laicização do ensino e à reforma da Igreja sob a tutela do Estado. Médico de formação e radicado em França, publicou Cartas sobre a educação da mocidade (1760) e Método para aprender e estudar medicina (1763). A sua obra influenciou a reforma pombalina da Universidade em 1772.

Juntamente com Ribeiro Sanches, Luís António Verney (1718-1792) é um dos nomes emblemáticos do grupo dos chamados «estrangeirados». A sua formação começou com os Jesuítas na Universidade de Évora, com os quais se incompatibilizou, embora também tenha passado pelo curso de filosofia dos Oratorianos (1727-1730). Estabeleceu-se em Roma, onde escreveu as suas obras, nomeadamente Verdadeiro método de estudar (1748), na qual propõe uma reforma do ensino em Portugal baseada em novos currículos e em nova pedagogia. Defendeu a física newtoniana e combateu o espírito sistemático da escolástica e do cartesianismo. A sua pedagogia era também influenciada por Locke.

Este progressivo abandono da escolástica a favor das correntes modernas e iluministas é patente mesmo entre alguns religiosos como o franciscano Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814), propenso a um ecletismo crítico da escolástica e aberto às «Luzes» de Setecentos, pelo que foi depois cooptado para cargos importantes sob o governo do marquês de Pombal, nomeadamente na Real Mesa Censória e na reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra (1772). Outro autor que se inscreveu na tendência de abertura às «Luzes» foi António Soares Barbosa (1734-1801), que teve um papel importante no ensino da filosofia na Universidade de Coimbra após a reforma de 1772 – que consagrou o triunfo da «filosofia moderna» no ensino universitário português –, tendo publicado Discurso sobre o bom e verdadeiro gosto da filosofia (1776) e Tratado elementar de filosofia moral (1792). No campo da filosofia do direito, Barbosa, embora plenamente aberto às correntes modernas, é crítico tanto das teorias contratualistas e de um estado de natureza igualitário como da razão como única fonte do direito (doutrina defendida pelos teóricos do despotismo iluminado).

Os Oratorianos e o «Iluminismo católico»

Nas primeiras décadas do século XVIII, a Congregação do Oratório afirmava-se em Portugal como a rival da Companhia de Jesus que, em grande medida, controlava ainda a Universidade. Após a expulsão dos Jesuítas em 1759, os Oratorianos tornaram-se o grande centro de irradiação de uma filosofia renovada e com uma abertura crítica às novas correntes modernas e experimentalistas, absorvendo as tendências do Iluminismo e recriando-o à luz da tradição católica. No contacto com os autores oratorianos setecentistas formaram-se gerações mais novas que teriam um papel importante na transição das elites portuguesas para o período liberal no início do século XIX. Manuel Álvares (1739-1777) introduziu na sua Lógica (1760) o sensismo de Locke e a física moderna. António Pereira de Figueiredo (1725-1797), em obras como Doctrina veteris ecclesiae (1765), sustentou uma teologia regalista que o associou ao governo de Pombal. Francisco José de Freire (1719-1773) foi um defensor do neoclassicismo estético em Arte poética (1748), obra que se tornou a referência teórica da academia Arcádia Lusitana. Teodoro de Almeida (1722-1804), em Recreação filosófica, absorveu na sua teologia natural os contributos mais relevantes da ciência física do seu tempo.