quarta-feira, junho 12, 2013

Lutero, o sacramento e a fé

[Grão de Trigo, Maio 2013, p. 4]

Martinho Lutero, cuja teologia é mais “reformada” do que as práticas eclesiais históricas das igrejas europeias vulgarmente conhecidas como “luteranas”, é uma inspiração permanente para aqueles que se reclamam do calvinismo.

Para percebermos como o primeiro reformador entendia o sacramento, vamos pedir ajuda a Paul Althaus e ao seu livro A Teologia de Martinho Lutero (cap. 25), pois os escritos de Lutero são muitos e dispersos no tempo e por diferentes obras, e a interpretação sistemática de um bom teólogo (competente e leal) é em tal situação o melhor auxílio.

Para Lutero, o sacramento está ancorado numa promessa de salvação feita por Deus através da Sua Palavra e é, assim, um acto visível que funciona como analogia de uma realidade invisível e prometida; é, pois, na forma, um símbolo.

Porém, nem todos os símbolos são sacramentos, dado que, para o serem, têm de decorrer da própria revelação divina, que promete o perdão dos pecados e, assim, vida e salvação – e de ser identificáveis como tal na Bíblia.

Para Lutero, nem o casamento nem a confirmação cumpriam esta condição, pois falta-lhes a promessa de salvação; por outro lado, a oração, a penitência e a leitura e meditação da Palavra, a que Deus associou a promessa, não têm a forma clara de acto visível e simbólico, pelo que não podem ser propriamente considerados sacramentos.

o Baptismo e a Ceia preenchem esta dupla condição da promessa e do símbolo. A ambos pertence também dirigirem-se a cada crente individualmente, serem um vínculo do crente individual com a promessa divina, enquanto o ministério do anúncio da Palavra (a pregação) – que só por si terá de valer outro texto – se dirige a todos os crentes, em geral e indistintamente.

O carácter físico do sacramento (o contacto do nosso corpo com a água, o pão e o vinho) significa que tudo em nós (até a nossa carne) está destinado à vida eterna. Ora, para Lutero, o sacramento só é válido, só passa de forma a conteúdo – e a vínculo –, se estiver intimamente ligado no indivíduo à fé na Palavra divina; sem isso, é um ritual ineficaz para esse indivíduo.

A fé é tão fundamental que Lutero chega a dizer, a partir de Marcos 16:16, que alguém que a tenha e seja privado dos sacramentos se pode salvar.

No entanto, os dois sacramentos, como actos visíveis praticados pela Igreja, não perdem o seu carácter de promessa por serem administrados a indivíduos sem fé, ao contrário do que defenderam os Anabaptistas no século XVI e com quem Lutero polemizou. E os crentes não devem privar-se dos sacramentos por terem fé, pois foram convocados pela Palavra a neles viverem também a sua fé.

DESAFIO… Lutero defendeu o baptismo de crianças. De acordo com a sua concepção de sacramento, o que pensar disso? Sem a consciência da fé pode o baptismo ser eficaz (vínculo com a promessa divina)? E a Ceia, pelas mesmas razões, a quem e em que idade e em que condições deve ser ministrada na Igreja?